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Os indígenas no Brasil constituem 240 povos, falantes de 180 línguas diferentes. Existe uma diversidade cultural muito grande entre estes grupos, o que é preciso ser levado em conta ao se estabelecer legislações e políticas públicas específicas. No campo dos direitos das crianças e dos adolescentes, cuja legislação é consolidada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a antropóloga e assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc, Márcia Acioli, avalia que o Brasil ainda não está suficientemente amadurecido, principalmente no que diz respeito ao tratamento das crianças indígenas.
Cléber Buzzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, explica que o ECA se aplica aos povos indígenas apenas de modo geral. “Em algumas situações, porém, a atuação dos órgãos dificulta ou proíbe práticas próprias do processo educativo desses povos”, comenta o secretário.
Buzzatto dá como exemplo a prática tradicional do povo Caiangangues de levar as crianças em viagens para comercializar artesanato,o que poderia ser considerado, de acordo com o ECA, como afastamento das crianças das escolas. Segundo o secretário do CIMI, tal costume faz parte do aprendizado das crianças e significa uma imersão nas especificidades culturais de seu povo. “Entendemos que os povos indígenas têm o direito de formar as crianças de acordo com suas tradições. Elas têm o direito de ter sua formação dentro da cultura do povo a que pertencem”, elucida.
A aplicação do ECA para crianças e adolescentes indígenas foi regulamentada pela resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda de número 91, de 23 de junho de 2003. De acordo com a deliberação, aplicam-se à criança e ao adolescente indígenas as disposições do ECA desde que observadas as peculiaridades socioculturais de suas comunidades. A consideração refere-se ao artigo 231 da Constituição Federal, que garante aos povos indígenas o direito de ter respeitadas suas características particulares quanto à organização social, costumes, crenças, valores e tradições.
Segundo a legislação, é responsabilidade dos conselheiros tutelares considerar as especificidades culturais dos povos indígenas ao atuar na garantia da proteção dos direitos de crianças e adolescentes indígenas. Para os especialistas, o ECA coloca os Conselhos Tutelares em uma posição estratégica muito importante. No entanto, no caso de crianças indígenas, os conselheiros têm dificuldade de lidar com determinadas situações e aplicam parâmetros da cultura não-indígena. “A criança não ter o direito de existir em sua própria cultura já é uma violação”, atenta a antropóloga Márcia Acioli,.
Vulnerabilidade das crianças e jovens indígenas
De acordo com Márcia Acioli, as crianças indígenas vivem um contexto de violação de direitos pela própria situação das populações indígenas, que vivem ameaçadas. “Por virem de uma cultura específica, com valores específicos, as crianças indígenas se tornam mais vulneráveis no contato intercultural por não saberem dialogar com valores que não são os seus” explica.
Ricardo Verdum, antropólogo consultor do Inesc, explica que existe uma outra compreensão sobre os estágios da vida de uma pessoa nos modos de vida mais tradicionais. “Em torno dos 15 anos já há um domínio dos códigos. No caso da mulher, a partir da menstruação. A partir daí o indivíduo já é considerado em condições de sair de sua esfera familiar e assumir a responsabilidade de criar sua própria família”, explica o consultor.
Verdum avalia ainda que a pressão sobre o modo de vida social tradicional, os conflitos de território e a escassez de recursos acaba levando os jovens indígenas a modificar seu comportamento, adotando outros valores, formas de se vestir e de se alimentar. “Fora de seu território tradicional, os jovens entram em uma relação de mercado, precisam de dinheiro. Vão para a periferia, onde enfrentam baixas condições de vida, adotam outros valores e o modo de vida tradicional já não é mais adequado”, explica o antropólogo. Em tal situação, os jovens enfrentam discriminação, perda de vínculos, baixa renda e escolaridade e vivem, segundo Verdum, expostos a influências inadequadas. “Os sistemas públicos não estão preparados para atendê-los, não estão preparados para um atendimento com uma visão mais progressista, que considera a diversidade cultural”.
Plano Decenal aborda questão indígena
O primeiro passo para a melhor adequação do ECA à questão indígena foi dado durante o II Seminário Nacional sobre Direitos e Políticas para Crianças e Adolescentes Indígenas, em novembro de 2010. Durante o seminário, promovido pelo Centro Indígena de Estudos e Pesquisas – CINEP, foi apresentada a “Formulação de políticas para crianças e adolescentes indígenas e capacitação dos operadores do Sistema de Garantia de Direitos”. O trabalho surgiu da preocupação com a formulação de políticas adequadas às múltiplas realidades culturais, interétnicas e socioeconômicas em que se encontram as crianças e adolescentes indígenas.
O documento construído durante o seminário foi enviado por representantes dos povos indígenas ao Conselho Nacional dos Direitos da Infância (CONANDA) como contribuição para o Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, aprovado em abril de 2011. O documento contém eixos, diretrizes e objetivos estratégicos da Política Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente para os próximos dez anos.
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