14 de dez. de 2009

Entrevista com Marco Antônio da Silva de Souza, do MNMMR

Marco Antônio da Silva de Souza, coordenador-geral do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) em São Bernardo do Campo e Santo André (SP), também esteve presente na 8ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Participação de Crianças e Adolescentes em Espaços de Construção da Cidadania foi tema do painel por ele apresentado. Em entrevista ao portal Pró-Menino, Marco Antônio questiona a não utilização da escola como espaço de estímulo à participação. Com conhecimento de causa, orgulha-se ao falar sobre jovens egressos do MNMMR que hoje circulam pelas plenárias da Conferência, mas lembra que a participação não pode se resumir a esse espaço. Marco vê na participação o melhor recurso diante da autoridade, ferramenta de transformação e efetivação da democrática.

Portal Pró-Menino: Existem ferramentas de promoção à participação da criança e do adolescente na formulação de políticas públicas? São suficientes?

Marco Antônio: Não existe estímulo do estado brasileiro hoje para garantir um direito constitucional, do Artigo 15 do Estatuto e do Artigo 12 da Convenção Internacional. Essa seja talvez uma das maiores violações dos direitos humanos das crianças, o direito delas participarem. O Estado não prepara, o Estado não estimula e não tem uma política de participação de crianças, por exemplo, nas deliberações no campo da Justiça.

PM: Aqui na Conferência as crianças e adolescentes têm direito a voz e voto nas mesas de discussão. Como você encara a iniciativa? A participação é efetiva?
M.A: Esse é um processo que não começou agora. A 8ª Conferência, já tem um ano que ela vem acontecendo a nível local, a nível estadual, no nível regional, até chegar no nacional. Então esse é um exemplo de processo, que mostra dentro os jovens, as crianças, os adolescentes, participando com qualidade. Acho que eles estão dando essa resposta aqui. Agora, a participação não pode ser de conferência a cada dois anos, não. Tem que ter uma política, na qual a criança discuta, quando for de seu interesse, como educação, como saúde, como economia, que eles possam participar. Da forma deles que não é reproduzindo o modelo dos adultos, mas um investimento no Brasil para radicalizar a democracia. Na medida em que as crianças brasileiras adquirem esse direito e de participar, nós vamos ter mais democracia, mais atores políticos. 

Os próprios meninos vão poder falar, eles vão criar essa força social necessária hoje. A gente está um pouco patinando no mundo adulto e talvez esse ator social possa ajudar a gente, trazendo um pouco de luz. Tem que criar mecanismos para a criança negociar dentro do próprio estado. Agora ela também pode, do ponto de vista de um plano decenal como estímulo, colocar um dos critérios para avaliar projetos bem montados, por exemplo, a participação dos meninos. Tem que começar a preparar essas crianças. Você tem exemplo no México, onde as crianças a partir de sete anos são estimuladas, seis meses antes do período eleitoral, são colocadas as pautas que eles querem, definem as pautas e eles mesmo vão e votam! Escolhendo em cima daquela pauta prévia o que eles acham importante, mais ou menos uns seis meses antes da eleição. É feito um levantamento com as prioridades das crianças daquela região e levado aos candidatos. Então é um exercício político. Isso é importante para nós que temos tradição de país autoritário, adultocêntrico, focado no homem branco.

PM: O que dizer sobre as formas de participação para as crianças em conflito com a lei, as crianças moradoras de rua. Existe uma possibilidade?
M.A.: Há a necessidade de se pensar em uma política de estado para estimular a participação. Para todas as crianças! Essas estão à margem, mas de alguma forma, tem algum projeto, algum programa que chega nele. Agora, se uma organização vai trabalhar com criança de rua, e começam a ficar preocupado com quantos rangos o cara come, quantas toalhas o cara usou, compra lanche ou dá almoço... São coisas que eu acho que são importantes, mas tem que ter um critério lá, cara. A criança participa do programa? Qual a preparação que o educador tem para estimular que ele participe? Quem avalia? O técnico ou o técnico junto com a criança? A partir do simples, você vai para o mais complexo. Vai chegar em uma Câmara, um processo de orçamento, já é uma coisa mais complexa, já tem que ter um trabalho anterior na base muito bem fundamentado, para ele inclusive não ser usado. E a criança quer participar. 

O pessoal fala que a escola é uma política que ta explodindo, que as crianças não querem escola, que as crianças não querem nada. Mas eu vou deixar meu filho na escola e o que eu vejo é totalmente o contrário. Antes de bater o sino é aquela criançada correndo, é uma energia, a molecada em torno da escola, aquela vontade de brincar e tal. Entrou para o pátio é aquele empurra-empurra, aquela energia, a criançada ta gostando. Entrou na classe... ta aí o problema. Olha a visão dos caras: que escola é só dentro da classe. Quando acaba a aula, ficam as paquerinhas, criançada em torno, eles adoram a escola. E a escola se fecha para eles. Então olha o potencial que tem para discutir outras pedagogias, entre elas a pedagogia da participação. Olha como a gente perde recursos, como a gente perde cabeças boas. Porque os meninos bons são geralmente aqueles mais doidos e se deixar sai da escola.  
PM: A escola e a família ainda exercem muita influência na decisão e pontos de vista das crianças, ou hoje com a internet e a televisão esse quadro mudou?
M.A: Tudo influencia. Eu tenho experiência com menino de rua, e a maioria deles tem Orkut e tem e-mail. Os meninos saem desse encontro aqui e ficam namorando dois anos na internet até se encontrar no próximo encontro. Troca de informação, articulação, tudo. Agora, o que a gente tem que pensar é a questão da autoridade. Tem a mãe, tem o Estado, tudo autoritário. O que é possível fazer? É possível estimular a participação dos adolescentes e das crianças. Na medida em que eles começam a participar, eles são atores. Têm uma capacidade, inclusive, de interferir no jeito de pensar e na decisão do adulto. Ele pode articular ações que podem até vir a alterar a relação entre pai e filho. Alterar a relação entre as associações de comunidades, de bairros e o grupo de meninos. Temos excelentes exemplos. A gente que é do movimento, eu posso falar para você que aqui na Conferência deve ter no mínimo uns 15 ex-meninos de rua como delegados, coordenadores de projetos, articuladores de políticas públicas. De Pernambuco, do Acre, Distrito Federal. Eles estão em uma situação de ser cidadãos. Saindo da posição passiva de receber a política do Estado e inclusive ajudando a operar essa política. Tem vários exemplos dizendo: É possível! E está adormecido. É uma força que está adormecida. Então a gente tem que acordar essa força!

 Fonte: Pró Menino

Entrevista concedida a Eduardo Garcês, de Brasília-DF


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